Da Leitura à Escrita


Desde muito cedo, desde quando a memória registra, tinha curiosidade por tudo o que era relacionado com as palavras. Aprendi a ler sem esforço. Lia com os sentidos, com a emoção. Lia do meu jeito. Esta é parte mais gostosa das lembranças. Infelizmente, a escola cuidou de colocar em mim uma série de barreiras difíceis de transpor. Cuidaram de podar minha criatividade, de incutir o medo de errar, de pensar como os profesores queriam. O estudo dirigido, como era ensinada a gramática, as benditas fichas de leitura, como detestava! Aprendi a escrever lendo.

Relato um fato que a memória registra com clareza até hoje. Concluído o Jardim de Infância, fui fazer a prova de leitura, condição de ir para a primeira série, sem precisar cursar o Pré-Primário porque já sabia ler. A criançada estava em alvoroço. Eu era a mais nova, contava apenas cinco anos de idade! A professora disse: façam a leitura silenciosa, não leiam alto. Eu lia a palavra escrita no cartão que ela mostrava para a turma ( achava tudo tão fácil! ) e, de tão nervosinha, repetia bem alto, perante uns olhos azuis que faiscavam de indignação. Até hoje não entendo por que isto aconteceu. Fui reprovada por desobediência ou sei lá por quê. Só me lembro da dor, da decepção e do medo por não ter correspondido às expectativas dos adultos.

De outra feita, toda ancha, li em bom tom a palavra “ firestone” escrita no pneu do carro do Almirante João do Prado Maia. Ele me corrigiu com delicadeza: Terezinha, lê-se “fairestone” porque a palavra não está escrita em português, e sim em inglês. Enrubesci e saí correndo, estava com sete anos. Este senhor foi o meu primeiro mestre. Nordestino muito conceituado na Marinha e nas rodas intelectuais do Rio de Janeiro como escritor, professor e gramático. Um ser humano notável.

Acontece que, ao invés de desanimar, as dificuldades atiçaram ainda mais a minha curiosidade. Por que as palavras não servem para que a gente entenda o que foi escrito? Que estória é esta de outras línguas? Precisava descobrir ...

A adolescência chegou e com ela uma vontade de ler mais para descobrir os mistérios do mundo. Meus pais adquiriram algumas coleções, muito em gosto na época. Eram obras completas de diversos autores e das mais variadas tendências.

Sei que muitos compravam os livros para enfeitar as estantes, não propriamente porque apreciassem os escritos de Eça de Queirós, Jorge Amado, Gracialiano Ramos ou Fernando Pessoa, por exemplo.

O fator positivo das obras completas foi que fiquei conhecendo o jeito de escrever, o estilo dos autores. Mesmo sem saber o que significava “estilo”, sabia dizer quem era quem. As coleções encadernadas com apuro, as letras douradas ou prateadas faiscando no dorso dos livros chamavam a minha atenção. Gostava de visitar as bibliotecas até por isto: pela beleza, pelas cores.

A obra que mais me intrigou foi o EU de Augusto dos Anjos. Uma relíquia por duas razões bem distintas: uma porque era autografado pelo autor e outra porque o poeta foi casado com Ester Fialho, uma parenta de minha mãe. Para mim, o livro era um enigma. Meu Deus, quanta palavra difícil! Sem a ajuda do dicionário era impossível. Como se podia ser um bom poeta assim? Hoje sei de sua excelência.

Quando pequena me encantava os contos de fadas, as revistas em quadrinhos. Não gostava muito dos livros didáticos porque era “obrigada” a ler. Gostava dos que eu escolhia e que instigavam a minha imaginação. Sem medo de cair no indesejado lugar comum, digo que através das leituras conheci países, costumes e pessoas diferentes. Podia projetar em minha tela mental cenas e personagens, podia até sentir os aromas, o cheiros específicos, fosse o da cozinha da casa-grande ou o perfume dos jardins.

Literalmente, eu vivia o texto. Já aconteceu que, muitas vezes, visitando países ou lugares antes conhecidos através da leitura, tenha a nítida impressão de já ter estado lá. O gosto pelas viagens eu cultivo até hoje. Sou uma andarilha.

Com o passar dos tempos, aos poucos, fui atrevendo-me a colocar no papel minhas idéias. Muito, muito insegura no início. Calava porque, na minha cabeça, escrever era de certa forma, ler em voz alta. Herança da devastadora experiência infantil. Na universidade, tive a sorte de vivenciar o outro lado da experiência: o incentivo.

Tinha escrito como exercício um curto texto que intitulei “As Lesmas”. Um embrião de crônica, foi assim que a ilustre professora Elizabeth Marinheiro o classificou, acrescentando: “Acredito que você tem talento”. E, para minha surpresa, levou o texto para ser avaliado, imaginem por quem? Por Carlos Drummond de Andrade. O imortal sentenciou: realmente esta moça possui o “impulso”.

Desde aí, contando com o apoio de muitos outros mestres, jornalistas e escritores, eu me aventurei pelo mundo mágico da escrita. É claro , carregando sempre um livro, amigo que conforta e dá segurança, mas também um novo desafio na bagagem.

E... foi assim que se passou.

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Fonte bibliográfica:

Fialho, Terezinha in: Memórias rendilhadas: vozes femininas / Neide Medeiros,Yolanda Limeira (organizadoras) – João Pessoa: UFPB. Editora Universitária, 2006.Pág. 91-93.



3 comentários:

Anônimo disse...

a poesia é um desafio,
a crônica é outro...
gostei de ambos

kadu disse...

Sou namorada de Ricardo, neto de Márcia. A senhora é muito famosa viu? Dona Márcia e Ricardo me falam bastante de você. Gostaria de um dia ter a oportunidade de conhecê-la. Li alguns poemas e adorei. Parabéns! Beijos de uma admiradora!
Ana Helyne Suassuna

Anônimo disse...

Tenho grande admiração por você desde que nos conhecemos aos 10 anos de idade. Minha amiga, irmã de fé, aprendi com você muito mais que imagina. Sua sabedoria é nata. Sua essência é divina, brilhante, e resplandece otimismo, amor e alegria.
Sua luz sempre nos guiou.
Obrigada,
Sheila